Brasil: o que esperar das políticas públicas em 2023?

O novo governo iniciado dia 1 de janeiro de 2023 representou uma ruptura em diversas dimensões – se não em todas – em relação à administração Bolsonaro. Na ideologia, houve a reinstalação dos ideários e práticas da centro-esquerda em detrimento dos diversos matizes da direita. Sob a perspectiva institucional, Lula 3.0 promoveu significativa expansão na quantidade dos ministérios, tanto com benefícios políticos quanto com potenciais avanços na gestão pública. Essas mudanças são significativas e provocaram alterações em temas como o meio-ambiente, as relações exteriores e a economia. Mesmo ainda sendo difícil avaliar os resultados dessas e das futuras alterações, pode-se analisar a capacidade da nova configuração governamental para gerar políticas públicas mais efetivas para a sociedade.

Para além do eterno debate ideológico e da identificação de seus contornos, o ponto que me parece mais importante refere-se à efetivação das ideias em políticas públicas. Até o momento, houve fortes sinais de valorização das agendas relacionadas à preservação do meio ambiente e promoção dos direitos humanos, inclusive daqueles pertencentes às minorias e aos povos originários. Também é sensível a mudança nas relações internacionais, com diminuição do alinhamento com a direita em outros países e preferência por um relacionamento mais amplo e pragmático. Na economia, embora o discurso ainda seja eivado de ruídos e tensões, nota-se a tentativa de conciliar responsabilidade fiscal com propostas para ampliar os gastos públicos com custeio e investimento.

A estrutura administrativa da Esplanada é um aspecto importante a ser observado. Os ministérios foram ampliados de 22 para 37, aumentando a fragmentação executiva e colocando desafios para a coordenação intragovernamental. Na prática, 37 ministérios parecem muito, mas não há um padrão estabelecido. A Índia possui mais de 50 ministérios e o Canadá, 38, por exemplo, mas os Estados Unidos e a Alemanha possuem apenas 15. A Veja fez uma publicação interessante sobre ministério ao redor do mundo. A partir da redemocratização, a média histórica da quantidade de ministérios no Brasil é 29. Collor foi o presidente com a menor quantidade de ministérios (12) e Dilma, em seu segundo mandato, possuiu o maior número de pastas (39).

Fonte: Veja (https://veja.abril.com.br/politica/ministerio-para-que-como-se-organizam-governos-pelo-mundo/)

O aumento na quantidade de ministérios traz desafios adicionais na coordenação intragovernamental, na distribuição de recursos orçamentários entre as pastas, bem como na quantidade de reuniões entre ministros e o Presidente. Essas dificuldades podem representar alguma lentidão na elaboração de políticas públicas. Em contrapartida, o restabelecimento e a criação de ministérios eleva a importância dos temas, possibilita melhor articulação com os beneficiados pela política pública – tanto sociedade quanto empresas – e amplia a capacidade de avaliação e monitoramento das políticas públicas. Ou seja, há desafios de gestão intrínsecos ao aumento da quantidade de ministérios, mas também há potencialidades que merecem ser exploradas.

Em termos de distribuição política, é comum a notícia de que o partido que ficou com a maior quantidade de pastas foi o PT, com dez ministérios. É mais interessante notar, contudo, que há onze ministérios sem vinculação a nenhum. Naturalmente, existe uma aproximação ideológica ou programática da composição desses ministérios com a base política, mas eles não foram alocados a um partido político. Feitas essas observações, o PT de fato ficou com a maior parte dos ministérios, formando não apenas o núcleo palaciano (Casa Civil, Relações Institucionais, Comunicações e Secretaria-Geral), mas também áreas críticas, como a Fazenda, a Educação e Desenvolvimento Social. PSB, PSD, MDB e União Brasil ficaram com três ministérios cada um; PDT, Psol, PCdoB e Rede receberam 1 ministério cada.

Essa construção parece ser politicamente forte e razoavelmente coesa e equilibrada. Na Câmara, Lula sai com uma base formal confortável, com aproximadamente 280 deputados federais. No Senado, a base é ligeiramente mais sólida. Em ambos os casos, contudo, há dificuldades. Ainda não há maioria formada para aprovação de emendas constitucionais e espera-se resistência, pelo menos inicialmente, de partidos importantes, como o PL, com 99 deputados e 12 senadores, e de parlamentares de forte base ideológica de direita. Mesmo assim, é provável que Lula consiga negociar apoio político em torno de pautas importantes, como a reforma tributária. Também é preciso observar que os 11 ministérios sem vinculação política específica oferecem margem de manobra para Lula negociar as pastas em momentos importantes.

A configuração político-administrativa do governo pode viabilizar avanços paradigmáticos significativos, promovendo políticas públicas mais inclusivas e efetivas. Alguns exemplos desses avanços incluem melhoria dos gastos em áreas como educação, saúde e segurança pública, bem como a implementação de políticas públicas voltadas para a proteção dos direitos humanos e a equidade social. Outro sinal importante é a forma como o governo lida com questões ambientais, como a proteção da biodiversidade e o combate às mudanças climáticas. Além disso, a postura do governo em relação às minorias e grupos vulneráveis, como LGBTQ+ e imigrantes, pode ser também uma indicação importante de avanços ou retrocessos paradigmáticos. Foram nomeados 26 ministros e 11 ministras, o que representa um avanço na representatividade feminina no primeiro escalão. Esses sinais são importantes porque indicam o compromisso do governo em promover políticas públicas inclusivas e voltadas para o bem-estar da sociedade como um todo.

É preciso observar com atenção essas possibilidades de melhoria. Um fator importante que pode melhorar ou piorar o macroambiente para a elaboração de políticas públicas é o nível de conflito institucional. Bolsonaro elevou essa métrica ao máximo, especialmente na relação com o Judiciário. Embora o presidente Lula dê claros sinais de manter relações normais e produtivas com o Congresso e o STF, ele tem criticado a independência do Banco Central. Não deve ter muito efeito prático, mas reforça o discurso ideológico e indica um possível culpado para eventuais problemas econômicos. É preciso lembrar que boa parte das ideias econômicas de Lula são influenciadas pela oferta de crédito aos consumidores como força motriz da macroeconomia. Taxas de juros elevadas desestimulam o consumo e, por consequência, o nível de produção e emprego. Também está em curso a normalização do relacionamento com as Forças Armadas, especialmente após os atos de vandalismo em 8 de janeiro de 2023 em Brasília.

Pode-se afirmar que o presidente Lula elaborou e implementou, logo de início, um sistema adequado para gerar boas políticas públicas. De pronto, atuou na Reserva Indígena Yanomami, já esteve na Argentina e no Uruguai, está a caminho dos Estados Unidos, trocou o comandante do Exército e promoveu um “revogaço” de diversas normas que considerava danosas. Não serão todas as medidas do governo que serão apreciadas, mas é preciso observar, com a isenção necessária ao analista, os indicadores que podem levar a soluções mais efetivas para os problemas do País.

2 comentários em “Brasil: o que esperar das políticas públicas em 2023?

    1. Meu caríssimo José Alberto, muito obrigado pelas gentis palavras. Eu creio que não vou conseguir retomar aquela periodicidade semanal por uma questão de tempo mesmo. Estou tentando ajustar o formato talvez para um modelo mensal e fazer comentários mais breves durante o período. Devo publicar um teste sobre janeiro e adoraria ler seus valiosos e úteis comentários!
      Forte abraço,
      Arthur.

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