Brasília é o centro decisório do governo federal. O que acontece aqui impacta o País todo. As recentes mudanças no comando do Ministério da Saúde e no formato de divulgação dos números da pandemia no Brasil nos revelam retrocessos no modo em que as decisões governamentais estão sendo desenvolvidas. São escolhas que podem reduzir a eficiência das políticas públicas e diminuir o impacto das ações que o governo desenvolve num momento de grave crise econômica e política.
Políticas públicas são soluções possíveis de serem implementadas para questões de interesse público, como é a pandemia causada pela Covid-19. A teoria criou um modelo analítico baseado em diagnóstico das causas do problema, preferencialmente amparado em evidências, avançando à formulação de possíveis soluções. Após da escolha e implementação de qual é a mais adequada, o problema ou estaria resolvido ou as ações seriam revisadas. No caso do combate à Covid-19, criam-se políticas públicas que afetam as pessoas, as empresas e a própria gestão governamental.
Mudanças em cargos de alto escalão são comuns por diversas razões: alianças políticas, competência técnica, capacidade de gestão ou simplesmente empatia e confiança com o chefe imediato. A despeito da normalidade, ela pode causar consequências negativas no desempenho da máquina, nem tanto porque o modelo decisório sofre alterações, mas porque geralmente existe uma curva de aprendizado para entender o quê deve ser feito e como aquilo poderá ser realizado. Alguns podem argumentar que, eventualmente, a paralisia inicial e o “bate-cabeça” seriam depois compensados com ambiente político mais desanuviado ou com gestão superior em função de gerentes, técnicos e servidores públicos mais capacitados, ficando tudo bem no médio-prazo. No Ministério da Saúde, a despeito da boa qualificação dos servidores da pasta e da meticulosa base de dados estatística que possuem, as trocas de ministros e secretários não parecem se adequar a esse caso.
Quando essas trocas de comando se encontram com a realidade do policymaking, a realidade é bem difícil e distante da teoria: é confuso e contínuo, as pressões políticas nem sempre escolhem a melhor alternativa, e as limitações operacionais, legais e orçamentárias reduzem as opções disponíveis. Dificultar o acesso a dados que nos permitam dimensionar a eficiência das políticas públicas de combate à Covid-19 (escolhas implementadas/redução do problema) adiciona um elemento desnecessário neste momento. Dá a impressão de que o governo tenta diminuir a transparência de suas ações, o que reduz a legitimidade das políticas públicas que têm adotado. Aponta para si críticas bem fundamentadas da mídia, de partidos políticos, de ordinary citizens e da comunidade internacional e gera dúvidas sobre suas ações. É preciso avaliar como o governo dá transparência ao seu desempenho e às justificativas de suas escolhas e em que medida facilita o acesso da sociedade às suas decisões.
Muitas explicações para o sucesso ou fracasso das políticas públicas decorrem da legitimidade dessas propostas, da influência dos interesses, das ideias e das instituições. A nova governança pública, um dos paradigmas da gestão pública, pode aumentar as chances de sucesso das políticas públicas porque traz intrinsecamente o fator de legitimidade, permitindo maior escrutínio público dessas influências. Esse paradigma é raro e difícil de ser adotado, porque desloca o modelo decisório predominantemente político para um mais racional, baseado em informações e tendo o interesse público como centro de referência. Significa ir além de comitês de governança intragovernamentais, ir além de orçamentos participativos, ir além de modelos de gestão para resultados. As decisões e os números de que dispõe o governo devem ser abertos a todos os setores da sociedade, sob pena de gerar resultados públicos insatisfatórios.