Todos os anos, aguardo a publicação do Top Risks da Eurasia no começo de janeiro e fico imaginando quais questões serão elencadas. Eu admiro o trabalho da consultoria e acredito que conseguem captar bem os principais riscos geopolíticos para as empresas. Sobre os principais riscos de 2020, eu havia listado a tensão EUA/China (em comércio, tecnologia e finanças – Top Risks #2 e #3), o lado econômico da questão climática (Top Risk #7), os problemas políticos na América Latina (#9). O Top Risk que mais me surpreendeu foi o #4 (e que tem relação direta com o #7). É sobre esse tema que que quero me aprofundar um pouco mais: 2020 apresentará desafios crescentes para a área de relações institucionais e governamentais, bem como para a formulação de políticas públicas.
De acordo com o relatório, em anos anteriores, o processo de globalização expandiu o poder das multinacionais e sua capacidade de influenciar políticas públicas favoráveis aos negócios. Recentemente, os Estados afastaram um pouco esse poder empresarial, em função de fatores como a diminuição do crescimento global, aumento das disparidades socioeconômicas, aumento do populismo e nacionalismo, e o acirramento da competição tecnológica entre EUA e China.
Como consequência dessa retomada regulatória, o gasto com as atividades de relações governamentais nos EUA vem aumentando (empresas gastaram USD 3.5 bilhões em relações governamentais nos EUA em 2018), mas os efeitos têm sido incertos. Em 2020, a influência corporativa deve diminuir, como resultado de movimentos populistas contrários ao comércio mundial e de ideias centristas que aparecerão nos debates à campanha presidencial nos EUA.
O relatório indica, ainda, que novos riscos regulatórios vão desgastar reputações corporativas e trarão dificuldades nas relações entre as esferas privada e pública. Nesse contexto, prevê-se que a área de relações institucionais e governamentais das empresas terá de se envolver mais na estratégia, e os conselhos de administração, nas políticas públicas. As multinacionais vão ter de maximizar ganhos nas áreas em que as pressões regulatórias se alinhem com o modelo de negócios delas, pois a capacidade de gerar riqueza, crescimento e empregos sofrerá um revés. A pressão do Estado sobre as empresas e o aumento das demandas regulatórias vão aumentar os custos produtivos, colocando em standby novos investimentos.
Acredito que as multinacionais terão de incorporar, de verdade, os valores que representem interesse público nas suas estratégias. Caso contrário, a importância delas na economia, tanto local como global, será continuamente reduzida e, consequentemente gerando menor legitimidade para participar dos rumos da nova onda regulatória. Em busca do lucro, não adiantará uma multinacional dar de ombros ao meio ambiente, às condutas corretas no trato com os consumidores, fornecedores e com o governo. Para assegurar a interlocução com os governos, as multinacionais terão de construir uma reputação que transcenda a qualidade dos seus produtos e serviços, que lhes permita ter uma voz que permita um eco maior do que aquele gerado por sua importância meramente econômica (como seria o caso do poder estrutural).
A perspectiva de dificuldades no relacionamento com o governo trará desafios à área de relações institucionais e governamentais de qualquer empresa mundo afora. Usualmente mais focadas no relacionamento com o Executivo e com o Legislativo, no monitoramento de proposições legislativas e na construção de acesso aos decisores (nas questões de poder instrumental, como diz a teoria), a atividade terá de ser aprimorada. As empresas e os profissionais de relações governamentais terão de conhecer muito bem os reais propósitos das empresas, a seriedade com que se segue o compliance, e quais os limites na busca pelo lucro. Questões ambientais, trabalhistas e de confiabilidade dos produtos terão de entrar no cálculo da atividade em seu dia-a-dia.
Para o Brasil, esse cenário ainda traz duas outros desafios em relação ao que se encontra nos EUA, no Reino Unido e na União Europeia: um será estabelecer a área como multidisciplinar, indo além da tríade formada por cientistas políticos, administradores e advogados. Essa composição tradicional, que até agora deu conta do recado, poderá ser aprimorada com novos conhecimentos trazidos por antropólogos, comunicadores, designers ou outras formações permitam às equipes desenvolver um entendimento mais sofisticado e completo sobre as questões; outro é a falta de regulamentação da atividade de relações institucionais e governamentais, o que adiciona dificuldade técnica em relação ao ambiente que se encontra nos na K Street em Washington, na Chancery Lane em Londres ou na Rond-Point Schuman em Bruxelas.
Perspectiva #135 – Março
O governo se ajustou rapidamente para virar o jogo. Política deve começar a funcionar para valer com a instalação das comissões permanentes na Câmara e no Senado. Economia vai bem, mas gera preocupações. Na administração pública, importantes avanços estão sendo gestados.
Perspectiva #134 – Fevereiro
A política e a economia seguem em tendência positiva para fevereiro. A administração pública ainda passa por ajustes.
Brasil: o que esperar das políticas públicas em 2023?
O novo governo iniciado dia 1 de janeiro de 2023 representou uma ruptura em diversas dimensões – se não em todas – em relação à administração Bolsonaro. Na ideologia, houve a reinstalação dos ideários e práticas da centro-esquerda em detrimento dos diversos matizes da direita. Sob a perspectiva institucional, Lula 3.0 promoveu significativa expansão na…